terça-feira, outubro 12, 2010

À Procura da Safira


Primeiramente, devo alertar-lhes que tudo se trata de obra de ficção. 
Segundamente, que o texto aqui escrito o foi feito para um RPG... então peguem leve quando lerem... Um doce pra quem adivinhar que RPG era...


O vento sussurrava calmamente em seus ouvidos na hora em que acordou. Parecia o chamado de uma mãe ao filho: ‘Acorde. Já é manhã. ’ O dia estava mais quente que de costume, tornando o clima um pouco mais agradável que o da noite anterior. Aspirar aquele ar agradável trazia um pouco mais de tranquilidade ao jovem garoto, que empreendera aquela exaustiva viagem até ali. E agora que estava em frente ao destino, ainda achava-se muito distante do seu objetivo. Na verdade, começava a sentir medo. A coragem que o levara até ali parecia ter ficado pelo caminho, extinguindo-se aos poucos em cada pedra ou declive que tivera que atravessar. Não olhara ainda para a floresta desde que acordara e sentia certo receio de fazer isso. Não queria ver o que vira durante a noite toda: olhos.

Mas nada ele podia fazer para evitar aquilo. Era o último confronto e, talvez, o mais difícil de todos. E era inevitável. Todos aqueles dias, todas aquelas noites, todos os ferimentos, tudo fora para preparar-lhe para aquele dia. Até a noite anterior ele achava-se totalmente pronto, mas agora não sabia mais o que fazer. Tudo parecia pouco, um conhecimento ínfimo frente ao inimigo que iria enfrentar. O inimigo mais poderoso de todos: a incerteza.

Não sabia se iria sobreviver. Não sabia se morreria. Não sabia qual o risco, nem mesmo o que enfrentaria. O que sabia era que estava em frente à floresta, mas ainda não criara coragem para olhá-la. Não ainda. Os braços tremiam. Mais de ódio que de medo. Ódio de si mesmo. Nunca ficara tão assustado e nunca se sentira tão impotente. Odiava aquilo. Queria ser forte. Queria poder. O gene dos Alberich estava brotando novamente. Ele começara a deseja mais.

O que realmente ele procurava? Sabia que era a safira, claro, mas não sabia o que era a safira. Poderia ser uma simples pedra caída no meio da floresta ou uma bela safira brilhante guardada por um exército de espíritos antigos. Nenhuma dos dois pensamentos transformava aquilo em algo fácil. E estes eram os mais otimistas. Como ele iria procura-la? Não tinha idéia nenhuma. Estaria mais perdido que “cego em tiroteio” no meio daquelas árvores, confiante apenas no seu instinto e nada mais. Parecia uma missão impossível, mas ele tinha que tentar. Entretanto, ainda precisava criar coragem para olhar para a floresta.

As pernas estavam completamente presas no chão, como que fossem pregos fincados por um martelo ali. Os braços estavam caídos sem força alguma, como que os ossos houvessem sido retirados, acabando com todo o plano interno de sustentação dos mesmos. A face estava totalmente inexpressiva. Não havia possibilidade de movimentar um músculo da mimica facial e ele não entendia o porquê. Seu corpo inteiro estava completamente estático, sem conseguir levantar mover um único músculo.

Pequenas agulhas começaram a furar a sua espinha. Começando de baixo e subindo rapidamente. Aquela era uma sensação estranha, que contribuía ainda mais para deixá-lo ali parado. Aquela sensação de medo deixava-o ainda mais paralisado. Não sabia porque ter medo da floresta, mas apenas sentia. Sempre fora muito ligado à floresta e sabia bem o que se passava ali dentro. Havia sempre aquele sentimento bom, como se a floresta cuidasse de seus filhos. Entretanto, naquela floresta em especial não havia nenhum sentimento que lhe lembrasse de qualquer outra. Havia muito ódio ali. Muita sede por sangue. O que acontecera ali antes? Ele tinha medo de descobrir. Por isso ainda não conseguira virar em sua direção para olhá-la.

Havia também os olhos. Ele tinha certeza que os tinha visto durante a noite. Não bem visto, tinha sim sentido. Algo o observava. Algo o esperava. Ele sabia que sim. Eles saborearam seu medo durante toda a noite, armando a emboscada para quando ele entrasse na floresta, ou apenas esperando que ele morresse ali mesmo. Não sabia o que eram, sabia apenas que o esperavam.

Cada fibra do seu corpo tremia enquanto ele tentava encontrar a coragem para virar-se na direção da floresta. Aquele foi um simples movimento, que dura uma pequena fração de tempo, no máximo um segundo, talvez. Entretanto, ele não o vira dessa fora. Parecia tal qual um filme de terror onde o momento de suspende se estende por minutos a fio. Ele vira tudo passar devagar, quase parando, com em câmera lenta. O horizonte na frente dos seus olhos mudava aos poucos, como se ele estivesse apenas olhando para os negativos de um rolo de filme antes que o mesmo passasse pelo cinematógrafo. Aos poucos a floresta foi se mostrando em frente aos seus olhos, entretanto não havia nada lá. Os olhos haviam sumido.

Mas algo ainda estava lá. Ele podia sentir. Era algo ameaçador. Christoffer não conseguia mover-se ainda, tal era o pressentimento que passava por sua mente no momento. Talvez ele devesse esquecer essa porra toda e voltar para sua vida anterior. Era isso que deveria fazer, claro. Arriscar a vida em vão assim? Não era algo sensato. Ele estava sendo egoísta deixando sua família para aventurar-se assim, como um guerreiro. Para os guerreiros não existia glória, nem fracasso. Apenas a morte. No fim, só através dela que se conseguia qualquer um dos dois status. Aquiles buscara a glória e encontrara a morte. Dario fugira do campo de batalha apenas para encontrar a morte. Não existia nada além disso para os guerreiros, só o descanso final.

“Pare de pensar assim, Christoffer. Não é seu bem que está em jogo. É o do seu povo. Sua família faz parte dele, você faz parte dele. É realmente tão bom conviver com eles assim no exílio? É reconfortante estar espalhado pelo mundo sem uma morada própria? É, por acaso, bom ver seu povo mendigando aos gregos? Ver Odin ser esquecido por causa do domínio dos helenos? Não é em você que deve pensar, Christoffer! E sim no seu povo! Na honra de sua família. O sangue dos Alberich corre em suas veias! O sangue que já foi o mais puro dentre os outros do norte. O sangue real, dos guerreiros dos deuses. Aquele sangue que foi manchado pela ganância. Aquele sangue que precisa ser limpo. É isso que está em jogo aqui. E não minha segurança.”

Ele sentiu vergonha de si. Parecia um derrotado agora e não o guerreiro altivo de outrora. Apenas a presença desta floresta infernal fora capaz de fazer isso a ele. O quão fraco era? Não dava para medir agora a vergonha que sentia. Precisava lutar. Precisava enfrentar seu medo. Era isso que tinha que fazer. Talvez Rognvaldr já soubesse que isso fosse acontecer. O homem que sempre fora protegido da natureza agora estava nas mãos desta. Teria que provar que não era mais um simples garotinho que precisava de proteção. Teria que provar que crescera. Esse era o seu rito de passagem. Seu sangue seria derramado agora. Pelos deuses, que o fosse para retirar cada gota de impureza que ainda persistia nele. Que voltasse a ser o mais puro dos sangues do Norte.

A palma da mão começara a sentir o frio corte das unhas sobre a carne. Estivera com os punhos cerrados desde que começara a refletir. Agora pequenas gotas de sangue caíam-lhe por entre os dedos, criando um pequeno orvalho vermelho nas folhas da relva. Os olhos olhavam para a floresta, retribuindo-lhe a ameaça que o envolvera desde que o Sol levantara-se por trás das montanhas albinas a leste. Era chegada a hora. E ele deu os primeiros passos em direção ao abismo escuro. A mão ainda gotejava.

O ar estava muito pesado dentro daquela floresta. Não se aprecia muito com as florestas de pinheiros nórdicas, as quais o garoto já estava acostumado. Como eram belas aquelas florestas onde fora criando, com os pinheiros nascendo esparsos, onde dava para se caminhas pelo menos três pessoas lado a lado, apreciando o chão coberto pela alva neve do inverno e sentindo os flocos gelados caindo-lhes sobre a face. Era possível até sentir o sabor dos mesmos, deixando-os caírem sobre as suas línguas. Era um pensamento muito nostálgico aquele e ele tratou de esquecê-lo.

Aquela floresta era muito diferente. Era formada por árvores retorcidas, de grande calibre, cujo tronco era tão grande que seria preciso de pelo menos 4 a 5 homens para abraçá-la. As copas altas estavam no auge da beleza, cheia de folhas que encobriam o céu. Tudo ali era escuridão e, embora fosse ainda inverno, não havia uma só marca da neve no chão. Eram apenas pedregulhos sobre a terra fofa, aqui ou ali com algum amontoado de folhas secas, mas não havia neve. E isso era algo que o deixava muito intrigado. E havia também o calor. Mal andara 10 minutos ali dentro e ele já começara a suar. Sentia que havia atravessado um portal que o levara para uma densa floresta tropical, tão quente estava.  E o escuro o preocupava. Como encontraria a pedra ali? Não conseguia enxergar meio palmo a sua frente, o que o fizera bater por várias vezes em galhos mais baixos ou raízes que se estendiam para derrubá-lo. Não havia como encontrar a pedra. Muito menos com saber se estava no caminho certo.

Decidiu seguir apenas a sua intuição. Nesses momentos, a razão falha, os sentidos falham. Só sobra esse lado esquecido dentro da alma humana, mas ainda tão presente nas formas mais imperfeitas de vida. O ser humano perdera muito através dos tempos e ele sabia disso, pois sua mãe lhe contava isso sempre. Não aquela que agora descansava e sim aquela eterna que sempre estava atenta. Aquela que lhe ensinara e protegera. A mesma que não falava com ele aqui. Não sentia nada no momento. Nem mesmo a presença ameaçadora de antes. Era só ele ali. E já haviam se passado 2 horas.

A caminhada parecia tornar-se mais íngreme à medida que ele avançava para dentro do seio da mata fechada. Andar começava a ficar mais difícil do que já estava, considerando que ele não podia ver nada e que havia galhos por todos os lados, esticados como pés traquinos com vontade de derrubá-lo. E, por várias vezes, tiveram sucesso no seu intuito e o jovem caíra sobre as pedras no chão. Por causa disso, já havia alguns hematomas no seu corpo e um pouco de sangue escorria sobre a sua testa. E já haviam passado quatro horas.

A quinta hora de caminhada foi a mais difícil de todas. Parecia que o terreno se tornara totalmente vertical, e que as pedras estavam cada vez mais comuns no caminho, além dos ocasionais tocos que estavam ali apenas para ferir-lhe a sola dos pés. O ar ficara mais pesado ainda, e a respiração tornara-se rápida e superficial. O calor tornava-se insuportável na medida em que subia, o que era incomum, pois se sabe que o cume das montanhas é o seu ponto mais frio. Mas isso não passava pela cabeça de Christoffer no momento. Havia apenas o cansaço. Sequer o medo de estar perdido e entregue à própria morte havia lhe passado à cabeça. Talvez fosse a sua determinação, talvez fosse a própria escuridão que enegrecera a sua mente, impossibilitando-o de pensar racionalmente. Mas talvez fosse melhor assim, senão essa certeza do fim poderia tê-lo deixado louco.

A sexta hora já brotava, enquanto as pernas do garoto fraquevam, quando ele sentiu aquilo. Era estranho. Como um detector de metais quando é colocado sobre a terra rica. Era assim que se sentira, pelo menos era assim que conseguia descrever o sentimento. Teve a certeza que andara pelo caminho certo, ou que fora conduzido. Talvez a segunda opção fosse a mais correta. Por vezes a trilha na mata fazia uma curva fechado do nada e o levava praticamente na direção contrária. Talvez fosse mesmo a floresta que quisesse leva-lo para o confronto final, onde os olhos lhe esperavam. Sim, pois eles agora estavam lá. Não podia vê-los, mas podia senti-los. Observando na escuridão. Esperando-o.

O passo subitamente tornou-se mais firme, pois a pernas readquiram o vigor de outrora. E uma pequena luz começava a formar-se em frente aos seus olhos. Era para lá que ele caminhava no momento, esperando o seu destino.  Ele sabia, ou apenas imaginava, que se estivesse no meio daquela floresta maldita, a safira estava ali naquela clareira, junto com o que quiser que estivesse ali. Juntos com os...

Corpos. Foi isso o que divisou ao adentrar no meio da clareira. Esqueletos antigos estavam pousados ali, encarcerados em túmulos brilhantes cor de fogo. Nenhum sinal da pedra, pelo menos a primeira vista. Nem mesmo sinal de neve, pois parecia que ela sumia no céu antes de cair pelo espaço deixado pelas copas das árvores. Apenas os corpos ali. Corpos de guerreiros antigos. Corpos que se mexiam dentro dos seus esquifes, levantando para pegá-lo.

Eram em número de cinco e traziam cada um uma arma na mão. Pequenas flechas voaram, atravessando zumbindo o seu ouvido esquerdo, provenientes daquele que segurava o arco, que estava mais ao leste que todos, carregando novamente a sua arma. À sua direita vinham dois deles segurando grandes espadas de luta, daquelas que eram usadas antigamente pelos vikings. À sua esquerda vinham os que carregavam maças, com os espinhos prontos para dilacerar lhe a carne.

O primeiro atacou-o e rasgou-lhe um pedaço da pesada roupa de inverno que vestia. Talvez, se Christoffer não tivesse sido tão rápido, seu próprio pescoço poderia ter sido arrancado. No entanto, apenas um leve fio vermelho brotava de seu peito, com pequenos filetes de sangue escorrendo por seu tórax. Os outros ainda o observavam de longe, enquanto uma flecha espetara-lhe o ombro direito. Ele havia esquecido completamente do arqueiro, que parecia aproveitar-se da sua distração com os outros.

Ele sabia que não teria tanta sorte da próxima vez que a flecha voasse, zumbindo tal qual uma vespa, em sua direção. Então, puxando a flecha de dentro da sua carne, ele avançou em direção ao que o atacara antes. O golpe da espada seguiu-o, mas não rápido o suficiente para acertá-lo. Pelo contrário, o rapaz é que fora rápido o suficiente para acertá-la bem dentro do ventre do dono, pois a tomara com tal destreza que fora impossível perceber. O mesmo apenas desintegrou-se em frente aos seus olhos, transformando-se em poeira.
E assim fora os outros, cada um sendo dilacerado pela espada empunhada por Christoffer. No fim, os quatro eram apenas pilhas de cinzas em meio à clareira. Mas não sem antes deixarem lembranças ao ruivo. Seu braço esquerdo estava banhado em sangue, devido ao ataque da espado do segundo guerreiro, enquanto suas costas sentiam a dor proveniente dos espinhos da maça de outro. Entretanto, ele fora forte para derrotar a todos.

O arqueiro soltara pelo menos três flechas em sua direção, mas sem conseguir acertá-lo, pois os corpos dos outros esqueletos estavam à sua frente. Agora que ele estava sozinho ali, era alvo fácil, e a flecha já tracionava a corda do arco, pronta para ser atirada. Percebendo isso, Christoffer apanhou uma das maças e atirou em direção ao guerreiro morto, acertando-o em cheio na fronte. A flecha ainda voou em sua direção, centésimos de segundo antes de o guerreiro ser acertado, perfurando o seu peito. Entretanto, não sendo totalmente mortal, pois se cravara no seu peito direito e não no esquerdo, como fora a vontade do esqueleto, se é que eles tinham vontade.

Ele não se sentiu vitorioso. Não, aquilo fora fácil demais. Não fora um teste ainda. Talvez fosse, mas não teste final. Talvez uma brincadeira da floresta com ele. Uma simples brincadeira. Vendo até onde ele poderia chegar. Mas agora ele podia sentir de novo a sentimento que sentira antes. O desejo de morte. A floresta queria derrota-lo e enterrá-lo ali como aqueles velhos guerreiros. Mas ele seria forte, ele resistiria e venceria. A fibra retornara ao seu corpo e ele estava mais confiante que nunca.

Caminhou pela clareira em busca de algum indício que pudesse leva-lo a algum lugar. Algo que pudesse leva-lo de encontro à pedra. Mas nada ali parecia servir. Apenas as cinzas daqueles guerreiros estavam ali... Apenas as cinzas... As cinzas. Esse pensamento estava enterrado agora na sua mente. Ele pegou um punhado das cinzas com uma concha feita pelas duas palmas e estendeu-o à altura da face. Repentinamente, um vento frio atravessou a clareira e levou às cinzas rumo ao oeste, onde ele pode divisar um pequeno caminho escondido pelas árvores. Um pequeno caminho que levava a um rio.

À beira do rio, ele procurou a pedra, mas não havia nenhuma por ali. Ele sabia que estava no caminho certo, algo dentro dele dizia, mas começara a desanimar. Não havia como encontrá-la ali. Aquela floresta não tinha fim. Parecia o labirinto do rei Minos, destinado aos seus maiores castigos. O prisioneiro era colocado lá e vagava por dias a fio tentando encontrar a saída, mas no fim somente encontrava o monstro semi-humano, sedento por carne. Era assim que ele se sentia. Só faltava o monstro chegar para devorá-lo.

Ele foi tirado de dentro da sua mente, onde estava pensando sobre a história antiga, quando ouviu um ruído. Não um simples ruído, mas algo pavoroso. Um grosnar vindo de dentro da própria terra. Quando se virou, ele viu o monstro no qual estava pensando. Mas não era o Minotauro. Uma das árvores havia levantado do chão e vinha na direção dele. Mas não era uma árvore comum. Tinha feições estranhamente humanas, amedrontadoramente humanas. Dois galhos gigantes formavam o que se parecia com braços. As raízes, agora fora da terra, se fundiam no que pareciam 4 pernas, que lhe dava sustentação e habilidade para mover-se. Um grande buraco lhe formava a boca, desdentada, mas ameaçadoramente grande, capaz de engolir um homem inteiro. Os olhos nada eram mais que fendas acimas da “boca”, que pareciam totalmente fixos nele. O conjunto inteiro deveria ter uns 5 metros altura, sendo bem menor que as árvores ao seu redor, mas ainda assim, assustadoramente grande. Os braços deviam perfazer 3 metros de envergadura e terminavam em galhos que mais pareciam fios de navalha. E apenas uma leve distância de 10 metros separavam os dois. E o rio estava atrás de Christoffer, enquanto a floresta estava atrás do monstro. Não havia escapatória.

Aturdido e amedrontado, ele limitou-se a jogar a espada que roubara das mãos do esqueleto. Ele enfiou-se bem próximo à boca daquele ser enorme. Apenas um barulho foi ouvido depois disso. Um barulho alto, que encheu a floresta e fez nascerem ondas circulares dentro da água do rio. Mas não era um grito de dor. Era um riso. Uma risada sinistra, que misturava pena e desprezo. Ele ria de Christoffer, que se sentia cada vez mais indefeso. Aquele riso infernal o fazia estremecer, com cada vertebra sua congelando, desde a coluna lombar até a nuca. Nunca sentira tanto pavor durante a vida.

A árvore (ou o ent, ou como quer que se chamasse aquilo) atacou. Seu braço enorme passou a alguns metros da frente de Christoffer, que continuava ali parado, impressionado com o que via. O movimento dos galhos (braços?) não cessou e aproximava-se a cada gigantesco passo da criatura. O garoto acabou sendo atingido em cheio e arremessado para longe, a uns 3 metros de distância e o monstro continuava aproximando-se dele tentando destruí-lo.

Nesse momento ele lembrou-se do seu treinamento e de que só havia uma forma de derrotar aquilo. Ele usaria aquela energia interior que todos os seres possuem, mas que poucos conseguem controlar. Ele lembrava-se de cada ensinamento, cada palavra de Rognvaldr. Ele poria em prática tudo o que treinara até agora. Ele precisava, sua vida dependia disso. Ele concentrou-se. Sentiu como se o tempo houvesse parado. Não podia perceber o menor ruído vindo do exterior, até mesmo a sua respiração estava paralisada. Somente aquele calor que aumentava dentro de si, aquecendo cada fibra do seu corpo. Sua energia interior se concentrando, como uma arma carregando-se para ser liberada a seguir em um estrondo.

E lembrou-se dos ensinamentos. “Tudo são átomos.” Lhe dizia Rognvaldr. Ele só precisava saber disso que o mundo cairia sob seus punhos. Era capaz de riscar o mais duro metal e de estraçalhar até a mais tenaz criação. Sua força não teria limites enquanto fosse capaz de entender esse princípio básico. “Tudo são átomos.” Apenas átomos.

Ele abriu os olhos e viu a criatura vindo à sua direção. Estava agora com os braços estendidos e a boca aberta em um sorriso ameaçador. Ele abaixou-se lentamente e tateou o chão, sentindo o seu frio toque. “Que a mãe me ajude.” – pensou. Aquela força, aquele calor que sentira até a pouco, foi aos poucos passando para a terra, como o descarregar de uma carga elétrica.

LAND!

E a terra mexeu-se sob o seu comando, atacando a criatura em cheio, deixando-a atordoada. Ruídos de galhos quebrando encheram o ar, mas a criatura ainda avançava. Ela ainda não estava abatida e seguia em sua direção, agora com mais ódio ainda sendo exalado de dentro dela. Mais três gritos foram feitos ouvir pelo ruivo e mais três vezes o chão tentou derrubar a árvore, que parecia impassível, indestrutível.

VANN!

E a água do rio tornou-se um turbilhão e avançou em direção a árvore. Mais uma vez nada parecia ser capaz de derrotar aquele animal esquecido pela memória dos homens. Como ele poderia vencer agora? Nem mesmo a sua força interior podia, como ele faria? Mas ele estava determinado a não desistir e atacaria enquanto ainda houvesse força suficiente dentro dele. Ele brandiria a espada até o último minuto.

LUFT!

Um tornado surgiu, levantando tudo que estava sob ele, no chão sobre o qual passava. Pedras e galhos foram se juntando ao turbilhão, formando uma força ameaçadora, que seguia em direção à árvore. Um grande rombo apareceu no monstro ao ser trespassado pelo ar, mas nem isso foi capaz de fazê-lo parar. Ele ainda era forte o suficiente para continuar. “Agora tudo está perdido” – pensou Christoffer. “Não há mais nada que eu possa fazer. Se ao menos eu tivesse fogo. Só posso controla-lo, mas não cria-lo. É o fim.”

Mas quem disse que não podia cria-lo? Ele simplesmente ainda não tentara. E talvez agora fosse a hora. Não havia mais esperança, então se agarrar àquilo lhe parecia algo razoável. Ele se lembrava do que Rognvaldr lhe ensinara sobre o fogo. Precisaria de combustível. Ora se a madeira não era um bom combustível. Queimaria a árvore, era a única forma de derrota-la. O oxigênio era o que mantinha a reação: na ausência do ar, se dissipava o fogo. Oxidação era o nome disso, como Rognvaldr falava. E precisava-se calor, muito calor, o suficiente para iniciar a combustão. Deveria atingir a temperatura de gatilho. Era hora de tentar.

Entretanto, ele foi retirado da sua concentração pelo golpe de um galho. Fora um golpe quase mortal, que penetrara dentro da sua coxa esquerda, fazendo o sangue escorrer por sua perna. A árvore estava agora próxima demais e o havia prendido. Ele não iria escapar. Iria morrer. Mas não sem tentar. Colocou a mão sobre o galho e transferiu-lhe a maior quantidade de energia que pode, retirando todas as suas forçar. LUFT. E o ar ia se juntando próximo ao local, com oxigênio o suficiente para o intento. Ele sentia a temperatura aumentar ainda mais, até que o galho irrompeu em chamas. Com um golpe ele quebrou o mesmo e livrou-se de um ataque que mirava-lhe a face, mas que fez apenas um pequeno corte.

BRANN!

E o fogo espalhou-se por toda a árvore ao comando de Christoffer. Ele podia controlar muito bem o fogo, desde muito tempo. E agora conseguia cria-lo. Um riso passou por seu rosto naquele momento. A árvore irrompia em chamas e era consumida rapidamente. Ela já não se mexia, como se tivesse perdido a vida, parecia agora apenas uma árvore comum, como se tivesse sido apenas marionete de alguém todo aquele tempo. E por fim, ela reduziu-se a cinzas, assim como os guerreiros da clareira.

Ele ainda ria quando desmaiou. A perda de sangue parecia ter sido demais e ele precisava descansar. Acordou ainda deitado no mesmo local, sentindo o cheiro de fumaça que brotava da velha árvore, cujo fogo já se apagara. Olhando para ela, ele sentiu que aquilo estava ficando muito perigoso, que ele não sobreviveria aquilo de novo. Ele tivera muita sorte.

Levantou-se com dificuldade, andando o mais rápido que os ferimentos lhe permitiam e foi em direção ao rio. O sangue coalhara na sua perna e ele fez um pequeno esforço para limpá-lo, sentindo muita dor a cada vez que passava a mão sobre a carne. Ele tinha pouco conhecimento, mas sabia que era melhor fechar aquele ferimento para evitar que infeccionasse. Com um espinho, ele foi furando a carne e passando por ela uma linha que retirara da manta. O trabalho seria mais fácil se ele tivesse uma agulha. Entretanto, como ele não carregara nada para dentro da floresta, aquela era a única forma.

Ele voltou à margem e lavou o rosto, sentindo o corte da sua face arder ao toque da água. Mas algo chamou-lhe atenção. Sua imagem refletida na água não parecia uma simples imagem e sim outra pessoa. Outro Christoffer olhava ali dentro do rio. Aquilo era por demais estranho e assustador, mas ele não conseguia sair dali. A curiosidade o prendia ali e ele debruçou-se ainda mais para olhar aquilo, quando sentiu uma mão saindo da água e puxando-o para dentro.

Entretanto não foi o toque gelado da água que ele sentiu e sim o impacto com o solo. Levantou-se, limpando a face da areia que a sujara e cuspindo o resto que entrara por sua boca. Depois olhou para frente e viu-se parado observando-o. Mas não era ele. Era igual a ele, mas ao mesmo tempo diferente. Parecia mais velho e os olhos eram mais escuros. O corpo também estava mudado, com muito mais cicatrizes.

- Vejo que conseguiu vencer meus brinquedos. Ótimo. – disse o outro.

- Quem é você?

- Sou Alberich. Seu ancestral. Sou o espírito que descansa na armadura de Megrez. Queria saber se você realmente é forte.

- Como pode ser você? Você está morto.

- Nossa família serve a Odin há séculos sem fio. No coração encarnado dos Alberich mora a prova que somos fiéis a Odin. Mesmo mortos nós permanecemos olhando pelo nosso povo. Nós nunca abandonamos a armadura mesmo após mortos. Ela torna-se o nosso esquife, nossa morada. Até que outro herdeiro em potencial surja. Aí ele será testado. Assim como eu fui. Assim como você está sendo. Eu levei a armadura até você naquele dia. Eu lhe martirizei para ver se você estava pronto. Você entenderá isso depois. É nosso dever, nosso destino. Está no nosso sangue. É um fardo pesado. Tem certeza que está pronto?

- Sim.

Então Alberich atacou. Não fora um ataque como os dos guerreiros mortos ali na floresta, nem mesmo como o da arvore monstruosa. Foi mais forte e atingiu-o por dentro. Ele perdeu o controle sobre o seu corpo. Ele não conseguia mover-se ou sentir nada. Ele teria que lutar contra si mesmo agora, teria que recuperar o controle. Concentrou-se o máximo que pôde tentando expulsar o invasor. O suor escorria-lhe pela fronte e ele continuava imóvel. Por fim, conseguiu mover-se.

O outro apenas riu e, com um movimento da mão, disparou um tornado em sua direção. Ele foi ganhando força à medida que avançava, acumulando pedras, galhos e outros detritos no meio do caminho, tendo força o suficiente para mata-lo. Então ele concentrou-se e tentou fazer o vento mudar de direção. Mas a mente de Alberich parecia mais forte, infinitamente mais forte que a dele e o turbilhão ainda avançava. Ele só conseguia desviar pouco antes de ser acertado em cheio. Entretanto, não na sua totalidade, pois uma marca de arranhão surgiu em seu braço direito e o sangue escorreu por ali.

Ele sabia que o outro era mais forte que ele, disso não tinha dúvidas. E algo lhe dizia que o outro também estava com a safira. Em algum lugar. “No coração encarnado dos Alberich mora a prova que eles são fiéis a Odin.” Ele havia falado isso. “Coração encarnado”. Era isso. A safira estava no seu coração. Ele sabia. Não havia lógica, não havia explicação, mas ele sabia. E do outro lado, Alberich deu um sorriso. Não era aquele sorriso debochado de antes e sim um sorriso sincero.

- É hora de me provar seu valor, meu bom garoto. NATURLIG ENHET.

Nisso, todas as árvores pareceram ganhar vida. Não só as arvores, mas as pedras também começaram a mover-se de seu lugar. Tudo que existia ali tomava a direção de Christoffer. Eles tentavam agarrá-lo e derrota-lo. A morte estava próxima. Ele podia sentir a sua foice sendo ajeitada no seu pescoço. Era o fim. Mas ele não iria se entregar, não ainda. Ele abaixou-se e tocou o solo, sussurrando em súplica. “Mãe, peço-lhe novamente a sua proteção. Sede a minha barreira.”

NATURLIG ENHET

As palavras saíram naturalmente da sua boca. A unidade com a natureza descrevia a sua vida. Desde cedo ele aprendera com ela. Desde cedo ela cuidara dele. Ele agora entendia. Ele não quisera lhe fazer mal. Queria apenas prepara-lo para o fardo maior. O fardo de ser um guerreiro deus. Seu cosmos brilhava intensamente agora. E a natureza parou ao seu comando. Ele entendera enfim e Alberich sorria do outro lado. A mão que apontava outrora para Christoffer agora estava enfiada no próprio peito. O coração foi arrancado. Mas não era um coração que jazia nas mãos cobertas de sangue do herói nórdico. Era a pedra, a safira. E ele a estendia sorridente para o herdeiro que nascera. “Pegue e torne o nome da nossa família límpido novamente.” Christoffer pegou a pedra das mãos do ancestral que sumiu sorrindo. Agora podia descansar em paz. Encontrara o herdeiro. O povo nórdico estaria em boas mãos.

Christoffer sentia-se leve por dentro. Entretanto, os olhos começaram a pesar e as pernas a fraquejar. Ele havia usado toda a sua energia naquele último esforço. Seu corpo pedia descanso e ele desmaiou. Acordou algumas horas depois, em frente a floresta de novo, com naquela manhã tão distante. Não sabia quanto tempo ficara ali dentro, mas sabia que algo mudara. Não havia mais os olhos, nem o ar ameaçador. Ele conseguira. Mas isso o deixara exausto. Com um sorriso, desmaiou novamente.

Um comentário:

  1. Estou gostando da história /s. Curioso que sou já fui no final ver como termina kkkkk, mas estou lá em cima ainda. Como a moça ali falou, é bem criativa a história e está sendo usado uma forma de descrição que coloca o leito praticamente na pele do personagem principal hehehe. Amanhã continuo de onde parei *-*.

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